Domingo. Não se sabe os porquês de existir o dia de domingo. O mundo pára. A rua pára. A casa pára. E ela também quis parar. Consciente do que estava por vir, se vestiu, se maquiou e caminhou até o orquidário. Os olhos assustados dos demais moradores da casa a perseguiam, mas ela firme seguia em busca da flor. Pegando-a, voltou ao seu quarto. Trancando-se no seu mundo, ela retirou os lençóis da cama, retirou o colchão. Defuntos não precisam de conforto, ela pensava. A cama em madeira pura agora estava pronta para recebê-la. Ela ascendeu duas velas, uma em cada ponta da cama e deitou-se. Cruzou as pernas, juntaram-se as mãos ao mesmo tempo em que seguravam a orquídea laranja. Assim ela permaneceu, sem esquecer do sorriso póstumo de paz.
Passaram alguns minutos e subiram os irmãos para convidá-la para o almoço. Seus olhos estavam serrados, mas ela podia ver; eles estavam pasmos com a cena. Chegaram a aproximar dela e chegar a pulsação. Estava tudo em paz... Eles não entendiam. Ouviram-se passos rápidos e a chegada dos pais. A mãe, coitada da mãe, desabou acreditando realmente que aquilo se tratava de um velório. Ver um filho morrer, não é para qualquer um e essa mãe mais louca do que a moça pela primeira vez não entendeu o cunho da história e repetia insistentemente para que ela se levantasse dali. O pai, com o humor mais parecido com o da moça, foi logo soltando uma gargalhada. Ria, sabe-se lá se pela situação toda ou pela sensação de que, ela estava fazendo algo que ele sempre quis fazer, mas ser “o pai de família” não permitia. O pai ria, a mãe chorava e os irmãos estáticos. A mãe então resolve sentar ao lado da menina e conversar. Perguntava a pobre o porque de estar ali, parecendo uma defunta. A mãe não entendia. A garota era uma defunta e resolveu se velar, para tentar conseguir pelo menos alguns minutos de paz e seria inútil sair daquela situação de paz (inventada, mas de paz) e responder as questões da velha senhora. O pai sensato (ou mais louco do que a garota) pegou a mãe pelos braços e tentou explicar, com recursos lingüísticos escassos pelo susto, o que aquilo significava. Ele conseguia dizer somente que ela precisava ficar ali. E ela realmente precisava ficar ali.
Então, os atrevidos penetras de velório resolveram descer e almoçar como uma família normal faz dia de domingo. Depois de passar a tarde toda sem pensar em nada, só ouvindo vez ou outra, uma voz lá dentro dizendo que ela precisava agora inventar seu renascimento; ela resolveu se levantar... E sem saber os porquês dos domingos, ao menos ela sabe o que fazer para escapar da angústia de ter que vivê-los. E renascida, levantou-se e foi cantarolar pela casa “Quem vai pagar o enterro e as flores se eu me morrer de amores?”.
3 comentários:
maravilhoso!bastante original.escreves bem viu!parabens!
Sem movimento.. Parece não haver tempo, nem espaço... Parece não haver vida!! Ah.. Meu Vinícius de Moraes / Não consigo te esquecer / Quanto mais o tempo passa / Mais me lembro de vc - Tom.. Muito bom!! cristianorodriguez@gmail.com
Postar um comentário