segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Eduardo e Mônica

"Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos
Quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz"



Sim, você vai entrar por esta porta. Jogar com meias palavras, me fazendo buscar mais. Depois de conseguir minha atenção, irá jogar o casaco molhado sobre a cama. Então, irá se sentar e com uma prolixidade invejável, apontará todos os meus defeitos. Um por um, vomitados na minha cara, insensivelmente e com toda a paciência que lhe falta em todos os outros momentos. Caso não me convença, apontará fatos. Fatos físicos e verbais. Questionará, ameaçando-me com as minhas próprias meias verdades. Eu poderia, quem sabe, concordar, mas não o faria. Pensaria logo em atirar-lhe o vaso de flores que habita acima da televisão. Pensaria em puxar-lhe o lençol, vendo-lhe escorregar até espatifar-se no chão. Pensaria também na infantilidade, na correria que eu me entrego só para poder ver-lhe com tranquilidade. Sentiria-me ridícula por suplicar por algo que não é e nunca será meu, por sermos tão diferentes e por achar que esta não faria diferença por ora. Poderia fechar-me em livros, passar noite em claro, vendo-lhe respirar tranqüilamente do outro lado da cama. Pensaria em roubar-lhe as idéias fracas, transformá-las em mais fracas ainda, inquietar-te com minhas fugas, fazendo-as claramente. Daria até dia e hora para que pudesse me encontrar vestindo o melhor sorriso que você me deu. Poderia sim, fazer isso e até mais, se ao som das primeiras meias verdades vomitadas eu não caísse em prantos e temesse tanto perder o ínfimo segundo de felicidade que você me trouxe nesses últimos tempos nebulosos. Perder essa permissimidade que corrói minhas antigas arestas, que me faz olhar com mais cuidado o novo. Pensaria em tudo isso, mas encostada na parede, feito bicho amedrontado, pediria resguardo de mim e me daria a você em cama molhada. Pois o que você quer é me tomar, assim, fraca. Pois me tome! Mas, saiba que eu sei que amanhã não estará mais aqui, que no depois não haverá mais sons agradáveis de madrugada, e nem eu, fraca. Saiba, por aqui, ou não, pois nunca verá mesmo que os olhos teimem em percorrer cada linha, que penso em n possibilidades, e nunca, nunca, nunca me verá "sendo" apenas. Sendo diferente do que sou, mesmo que assim o seja (fraca) por somente este instante.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Sofisma


E... quando olhava para cima, para seu caleidoscópio multicor, ela teve vontade de tê-lo pertinho. Fechou os olhos bem apertados e o desejou com muita força. Dizem que ela se fez caco. Caquinhos do lustre que caiu sobre o pratinho de ervilha se misturaram aos caquinhos dela, menina-pétalas-de-flor.

(- Tapa os olhos com o vestido, menina.)

Também dizem que quando pertinho do estrondo, a menina sorria e atirava, desesperadamente, as ervilhas do prato para que elas se salvassem. Contam-nos sobre o cheiro naquele momento: cheiro de cores. Todas as cores, juntas para pintar o quadro mais triste de já se viu. O quadro do dia que a menina que brincava com o pratinho de ervilha se foi...

(- O medo vai embora... Vai sim.)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Sentada para jantar, ela sonhava. Revirando os talheres, ela imaginava que cada folhinha fazia par com as bolotinhas de ervilha. E de trás do arroz saiam fiapinhos de soldados com suas metralhadoras de alegria... No banquete dela, não dava a mínima para os pratos que viriam, ah, e viriam muitos. O que ela queria mesmo era a sobremesa: docinhos coloridos. Sentada, ela sonhava com coisas simples mesmo frente aquele banquete festivo. Ela deixava-se inundar pelo cheiro de coisa boa de criança que vinha do pertinho. Ela sonhava e se enchia de alegria... e via, lá no teto, um arco-íris forjado pela luz que furava o lustre de cristal. Neste instante, ela descobriu, sem querer, seu caleidoscópio... e ele vinha com sabor novo, sabor de criança sem malícia, sabor de querer por gostar, sabor de bolotinhas de ervilhas velhas que adorariam fazer par com alfaces novinhas.

- Caleidoscópio sinestésico, misture-me. Absorva-me em suas cores. Prova-me seus amores.