segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lendo Lya Luft, numa revista de informações duvidosas, vi o caso de uma senhora que ao comemorar seus 102 anos disse o segredo de estar ali, picando quiabos para os convidados de sua festa: havia escolhido a felicidade. Ela havia escolhido a felicidade. Ela havia escolhido. Era, então, sua vida não tão fácil quanto se fez parecer. Mas, ela estava ali, 102 anos, cortando quiabos para alimentar os seus, fazendo sua vida. Sempre considerei que o pouco que escrevo é devido ao que me dói, sendo real ou sendo o meu real. Quando nada dói, nada escrever. Sem me fazer iludir que as coisas não me doem. Doem, mas não são reduzíveis a um texto. Novamente, sem me fazer iludir, não tomei a escolha da doninha, apenas tenho tentado... sem ver o final, onde, anteriormente, veria uma parede. Mas, hoje não. Meus “hojes” tem sido diferentes, não menos temerosos e turbulentos quanto os outros; são os meus hojes, e eu os tenho escolhido. Agradecida, Dona Dodô, eu tenho escolhido.


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Em mês qualquer, a meu ver, minha história primeira: quando bêbada me bole o corpo inteiro uma vontade de sambar. Vem subindo por meus pés uma vontade de trocar minhas roupas por vestidos rodados, meus sapatos altos por meus pés em carne viva. O álcool abre um portal com minhas raízes; vem de onde eu não consigo acessar pela memória, uma vontade de soltar os cabelos e cair na negritude que corre em mim, tornando-me uma negra de corpo e alma fartos, marcada por gerações, mas redonda, liberta... Correndo por lugares que eu nunca vou conseguir correr. Bole-me por dentro minha história não revelada, meu verdadeiro eu, minhas verdades. Isso que me entorpece também me chama: torne-se quem você é! Faz com que eu me revele mais e mais e mais de carne e osso, saliências e em comunhão com tudo o que eu acredito: essa luta por algo imenso, seja pelo meu amado social, classe, cor de pele, diversidade sexual. O que me bole me chama ao encontro de mim mesma em múltiplas alas em pleno meu carnaval que não precisa esperar o próximo mês para acontecer. Ai que vida boa, ô Lelê!

Trilha: Vai passar do meu Chico:

sábado, 27 de junho de 2009

Eu

Tentando testar o que havia em sua espera, permitiu que se aproximassem: Chegando perto, tão perto a ponto do perfume dele correr todos seus pensamentos. Tão perto que sentia seus pensamentos exalarem um rastro dele. Tão perto que ela encostou seus lábios de leve na testa e deixou que o cheiro dele ficasse intenso, mais forte. O cheiro dele, tão dela, atraia seu rosto, agora, e na escuridão. Por uma pontinha dos olhos, que ficaram abertos, ela via o que ainda não tinha conseguido ver até então. De cantinho de olhos, tomada pela embriagues do sentir perfumado, ela viu ele fechar os olhos. Serrou-os por instantes inteiros, que duraram muito mais que qualquer fragmento do eterno. Olhos fechados, rosto quente, perfumando o toque de suas mãos a enlaçá-la. Tomava-lhe o pescoço ainda na escuridão do descansar das pálpebras tão leves e tão másculas. Lastrando-se como o perfume e o toque firme das mãos, o rosto dele crescia vilmente. Ali, tão intenso, mas frágil e vulnerável, ele se fez rastro de homem, cheiro de homem, toque de homem, sentir de homem que sabe bem o que ela, tão menina em suas mãos, deseja. Mal sabia ele, que o que ela mais deseja é caber nele, dentro dos braços, das mãos e dos gostos dele, dentro de todas as cores, flores e, sim, algumas muitas dores, que sumiriam para ver a luz que vinha, de longe, e que a faria percorrer os paradoxais infernos da vida dos dois, apenas para cabê-los. Queria fazê-lo homem-macho para envolvê-la por todos os poros, todos os ares, todas as asperezas e se fazer território ganho, com bandeira de passionalidade e cheiro de neuroses e de ciúmes a consumi-los por inteiro, posto que, o que mais ela queria era ele se descobrindo nela sem perguntar, sem pensar em nada além do que era e seria, eternamente, rastro deles, do cheiro deles quando os olhos apenas estavam fechados.

Carinho de olhos fechados... 19/06/2009



Nunca coloquei nada que me expusesse duplamente: fotos minhas com minhas linhas, minhas linhas com minhas verdades, minhas verdades com a realidade. Mas, culpa desse ai, venho expor-me, tornar os dizeres verdades. Enumero os “porquês”... Ele sempre me dá a mão no vendaval e tem a petulância de me dizer que é apenas vento de ventilador. Ele apareceu em 2005 antes de se fazer presente em 2008. Ele me conheceu da maneira mais engraçada possível, passando de sorrisos e muita bandeira a pastéis e Antártica Original. Ele me deixa descabelada, passa pomada finalizadora aos montes no meu cabelo e depois dos xingamentos, ainda faz cara de vítima e me desarma. Além de tudo, ele parece com desenho animado e no começo, ria sem mexer com a boca – como cegos fazem e me assustava passando cinco dias sem se desgrudar de mim e, depois, mais uma semana sem desgrudar da minha família. Ele agora já sorri e mostra pra que veio. Coloca-me em prantos quando resolve discutir política ou quando tentamos agitar o namoro com algum espinho, músicas ou nosso passado. E... Quando nada mais parece ser possível, ele me traz bombons (pra adoçar minha alergia), depois, discute o futuro e dorme no meu colo... em uma cama de solteiro.


Receba meu carinho, meu menino...


sábado, 11 de abril de 2009

In evitável



Agora, nas primeiras horas desse sábado cheio de sol, enquanto eu provo um pouco do café coado, forte e doce, como tudo que me cerca, fico pensando a semana que passou, nos momentos que, deitada, quieta e subliminar, falei da vida para mim mesma, analisando-me aos prantos, por ser assim, exatamente assim, cheia de vírgulas e tão imersa em mim que nada nem ninguém, por mais que eu queiria, vai poder desvendar o mistério de mim porque eu seguro tão firme uma flor sempre na mão esquerda e deixo meu pensamento voar no meu mundo, só meu mundo, onde os meus convidados são presenteados com estranhês, um bocado de brigadeiro e muito perfume, uma festa de mim para eles, quando aberta, exposta, a flor da pele, me revelo menina ainda, doce e frágil, fraca e temerosa, mesmo que tudo teime em predizer o contrário,


assim como eu pintei meu rosto para ir te ver, horas e horas, testando meu sexo – meus dizeres, minh’alma em expansão ao te encontrar e isso possibilitar eu ser mulher, grande, larga, altiva e forte, deixando a menina para as ho
ras seguintes, assim como o pedido sem resposta, o diálogo inconcluso, o desejo latente, a força guiante e as inevitáveis, inevitáveis e mais uma vez inevitáveis visões que você terá de mim, como você diz que agora é possível por ser de igual para igual, mesmo eu, por dentro, sendo a menina faceira e cheia de lirismo que habitam essas horas e muitas outras horas distantes em mim quando o desejo que a paz se reinstale, me assombra e eu quero sempre ter minha flor a esquerda e meu pensamento imerso no meu universo, mas quero também que, seja como e quando for, encontre minha flor, meu sexo, meus dizeres e meu pranto em sua mão esquerda.

quarta-feira, 11 de março de 2009

al otro lado del rio...



Hiato. A distância entre escrever e sentir. Tenho pensado sobre isso. A escrita dói tanto quanto há silêncios torturantes no sentir – dolorido por si só, como palavra, como silêncio, como tortura, como dor pelo hiato da própria dor. Não escrever dói, pelo somente sentir também doer. Sou tudo aquilo que projeto no papel, digno de qualquer delete ou descarte para qualquer lixeira; descubro, abruptamente, que a vida-vivida é projeção do que digo; minhas ações são o que escrevo – vida-prolixa-imensamente-sonhada-com-olhos-bem-abertos-e-vermelhos-pela-insônia. O que faço torna-se digno dessa correlação insana de todas as relações patológicas, o que é naturalmente o normal – já digno de todos os conceitos sobre normalidade que tanto repudio. Singulares repetições, não redundâncias. Repito as palavras por vivê-las; mas vivo os sentidos singularmente, como todos os hiatos e abismos dentro da minha tríade sentir-viver-escrever. Encontrados os sentidos singulares e os hiatos abismais, pari-se, dolorosamente - como todo parto, o encontro da vida-vivida com a vida-prolixa. Doe-se tão gravemente pressupondo-se que esta dor seja o prazer absoluto, onde não há mais distinções entre silêncios e falas, pensamentos e ações, vida e palavras... como penso ser a dor da morte: imensa, pura e repleta de fusões de si consigo mesma. Parindo-me, paro-lhe – figura abismal e de silenciosa malícia e prazeres infinitos. Abro-lhe, vida-prolixa. Gero-lhe, vida-vivida. E me dói hiatos de felicidade. Tenho, em absoluto, pensando sobre isso...



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009






The best thing I ever had has gone away



Drying up in conversation,
You will be the one who cannot talk
All your insides fall to pieces,



You just sit there wishing you could still make love
They're the ones who'll hate you
When you think you've got the world all sussed out
They're the ones who'll spit at you,



You will be the one screaming out.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

“Amar é dar ao outro tudo de si. Até mesmo a própria solidão, coisa mais última que se pode dar.”

Leio isso e penso sobre as limitações destes amores. Amar o indizível de forma única que o que separa a entrega é a solidão. Neste fragmento de segundo que não ultrapassamos a idéia da entrega, somos dois corpos inertes, frente a frente, observando, cada qual, a sua própria solidão espelhada no outro corpo, bem ali, ao alcance real do seu toque e das distâncias irreais de todas as condições. Penso sobre a superposição dos imperativos que nem sempre conseguem dizer das sutilezas que não podem ser ditas, deixando-nos, novamente, frente a frente, a silêncios. Momentos inteiros que cabem em fragmentários segundos de solidão...


Caberia alimentar-nos de nós mesmos na esperança que isso faça a entrega ser menos anulante de nós mesmos – por amor? Caberia, também, alimentar-nos da imagem reflexa dos amores indizíveis, por não serem, nunca, compreendidos e assim, teimar com a solidão egoísta – por amor? Caberia doer nos minutos de espera silenciosa por não caber mais na coisa vivida?! Sinceramente, penso e o que fica é a coisa mais urgente que se pode ter: amor último. Como a entrega e o cuidado que se alimentou e tem fome de comunhão, preciso de uma vida clara... clarinha.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Parênteses: O passado passou... enfim.

Nudez

(C. D. A.)

Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.

Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.

Nem era dor aquilo que doía:
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.

Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.

Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.