quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

“Amar é dar ao outro tudo de si. Até mesmo a própria solidão, coisa mais última que se pode dar.”

Leio isso e penso sobre as limitações destes amores. Amar o indizível de forma única que o que separa a entrega é a solidão. Neste fragmento de segundo que não ultrapassamos a idéia da entrega, somos dois corpos inertes, frente a frente, observando, cada qual, a sua própria solidão espelhada no outro corpo, bem ali, ao alcance real do seu toque e das distâncias irreais de todas as condições. Penso sobre a superposição dos imperativos que nem sempre conseguem dizer das sutilezas que não podem ser ditas, deixando-nos, novamente, frente a frente, a silêncios. Momentos inteiros que cabem em fragmentários segundos de solidão...


Caberia alimentar-nos de nós mesmos na esperança que isso faça a entrega ser menos anulante de nós mesmos – por amor? Caberia, também, alimentar-nos da imagem reflexa dos amores indizíveis, por não serem, nunca, compreendidos e assim, teimar com a solidão egoísta – por amor? Caberia doer nos minutos de espera silenciosa por não caber mais na coisa vivida?! Sinceramente, penso e o que fica é a coisa mais urgente que se pode ter: amor último. Como a entrega e o cuidado que se alimentou e tem fome de comunhão, preciso de uma vida clara... clarinha.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Parênteses: O passado passou... enfim.

Nudez

(C. D. A.)

Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.

Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.

Nem era dor aquilo que doía:
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.

Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.

Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.