Considerou a cruel possibilidade de amar. Fechou os olhos. Quis sentir a malignidade do desejo e o tocou. Pegou-lhe com as mãos. Tocara o desejo um pouco mais do que duas ou três vezes e ele a tornara intensa, internamente intensa, em expansão. Tornara-se brasa e nisto habitara o perigo: poderia tornar-se chama alta, seguidamente, pó – o nada, sem foco. Considerou a ferocidade com que poderia doar-se, abdicar-se de muito e dela, trancafiar-se, comer-se e vomitar-se, vez e mais vezes. Sentia fome, doía-lhe a barriga porque tocara o desejo e precisava alimentar-se dele. Sentiu-se empacada, como animal estéreo que busca mais em vão. A dor que sentia não era desta busca, era do desejo de ter aquela fome perpetuamente. E, esta, sim, era vã. Sabia que o acaso não fala, sussurra, balbucia meias palavras e, gemendo, assombra-lhe na mocidade. O descuidado gemido do acaso, por sua vez, também, seria perpétuo. Já não havia mais tempo permissivo à frente ou possibilidade de alimentar-se dele, mas algo muito próximo à sua intensidade interna não lhe sossegava: era sabido; bastava-lhe coragem. Abriu os olhos. Considerou a cruel necessidade de amá-lo.